08 julho 2010

Itinerários Formativos no Seio da Família

48. O ambiente da família é, portanto, o lugar normal e ordinário da formação das crianças e dos jovens para a consolidação e o exercício das virtudes da caridade, da temperança, da fortaleza e, portanto, da castidade. Como igreja doméstica, a família é uma escola de enriquecimento humano. Isto vale particularmente para a educação moral e espiritual, sobretudo sobre um ponto tão delicado como a castidade: nela, com efeito, se entrelaçam aspectos físicos, psíquicos e espirituais, acenos de liberdade e influxo dos modelos sociais, pudor natural e tendências fortes ingénitas no corpo humano; fatores que, todos eles, se encontram juntos com a consciência, mesmo que seja implícita, da dignidade da pessoa humana, chamada a colaborar com Deus e ao mesmo tempo marcada pela fragilidade. Numa casa cristã os pais têm força para orientar os filhos para um verdadeiro amadurecimento cristão da sua personalidade, segundo a estatura de Cristo, no interior do seu Corpo místico que é a Igreja.

A família, embora rica destas forças, tem necessidade de apoio, mesmo da parte do Estado e da sociedade, segundo o princípio de subsidiariedade: « Acontece... que quando a família decide corresponder plenamente à própria vocação, pode-se encontrar privada do apoio necessário por parte do Estado, e não dispõe de recursos suficientes. É urgente promover não apenas uma política para a família, mas também políticas sociais, que tenham como principal objetivo a própria família, ajudando-a, mediante a atribuição de recursos adequados e de instrumentos eficazes de apoio, quer na educação dos filhos quer no cuidado dos anciãos ».

49. Conscientes disto, e das dificultades reais que hoje existem em não poucos países para os jovens, especialmente em presença de fatores de degradação social e moral, os pais são solicitados a ousar pedir e propor mais. Não podem contentar-se com evitar o pior — que os filhos se droguem, ou não cometam delitos — mas deverão empenharse em educá-los para os valores da pessoa, renovados pelas virtudes da fé, da esperança e do amor: a liberdade, a responsabilidade, a paternidade e a maternidade, o serviço, o trabalho profissional, a solidariedade, a honestidade, a arte, o desporto, a alegria de se saberem filhos de Deus e, por isso, irmãos de todos os seres humanos, etc.

O valor essencial do lar

50. As ciências psicológicas e pedagógicas, nas suas mais recentes aquisições e experiência, concordam em sublinhar a importância decisiva, em ordem a uma educação sexual harmonica e válida, do clima afetivo que reina na família, especialmente nos primeiros anos da infância e da adolescência e talvez até na fase pré-natal, períodos em que se instauram os dinamismos emocionais e profundos das crianças. É posta em evidência a importância do equilíbrio, da aceitação e da compreensão a nível do casal. Sublinha-se também o valor da serenidade do relacionamento entre os cônjuges, da sua presença positiva — tanto a do pai quanto a da mãe — nos anos importantes para os processos de identificação, e da relação de tranquilizante afeto para com as crianças.

51. Certas graves carências ou desiquilíbrios que se realizam entre os pais (por exemplo, a ausência da vida familiar de um deles ou de ambos os pais, o desinteresse educativo, ou a severidade excessiva) são fatores capazes de causar nas crianças distonias emocionais e afectivas que podem perturbar gravemente a sua adolescência e por vezes marcá-las para toda a vida. É necessário que os pais encontrem tempo para estar com os filhos e entreter-se e dialogar com eles. Os filhos, dom e empenho, são a sua tarefa mais importante, se bem que, aparentemente, nem sempre muito rendosa: são-no mais do que o trabalho, mais do que as distrações, mais do que a posição social. Em tais conversações — e cada vez mais, à medida que os anos passam — é preciso saber escutá-los com atenção, esforçar-se por compreendê-los, saber reconhecer a parte de verdade que pode estar presente em algumas formas de rebelião. E, ao mesmo tempo, os pais poderão ajudá-los a canalizar  ânsias e aspirações, ensinando-os a reflectir sobre a realidade das coisas e a raciocinar. Não se trata de impor uma determinada linha de comportamento, mas de mostrar os motivos, sobrenaturais e humanos, que a recomendam. Serão mais bem sucedidos, se souberem dedicar tempo aos seus filhos e colocar-se verdadeiramente ao nível deles, com amor.

Formação na comunidade de vida e de amor

52. A família cristã é capaz de oferecer uma atmosfera permeada daquele amor a Deus que torna possível um autêntico dom recíproco. As crianças que fazem esta experiência estão mais dispostas a viver segundo aquelas verdades morais que vêem praticar na vida dos seus pais. Terão confiança neles e aprenderão aquele amor — nada induz tanto a amar quanto o saber-se amados — que vence os medos. Assim, o vínculo de amor recíproco, que é testemunhado pelos pais para com os filhos, tornar-se-á uma proteção segura da sua serenidade afetiva. Tal vínculo afinará a inteligência, a vontade e as emoções, repelindo tudo o que poderia degradar ou aviltar o dom da sexualidade humana, a qual numa família em que reina o amor, é sempre entendida como parte do chamamento ao dom de si no amor por Deus e pelos outros: « A família é a primeira e fundamental escola de sociabilidade: enquanto comunidade de amor, ela encontra no dom de si a lei que a guia e a faz crescer. O dom de si, que inspira o amor mútuo dos cônjuges, deve pôr-se como modelo e norma daquele que deve ser actuado nas relações entre irmãos e irmãs e entre as diversas gerações que convivem na família. E a comunhão e a participação cotidianamente vividas na casa, nos momentos de alegria e de dificuldade, representam a mais concreta e eficaz pedagogia para a inserção activa, responsável e fecunda dos filhos no mais amplo horizonte da sociedade ».

53. Em definitivo, a educação ao amor autêntico, que não pode ser tal se não tornando-se amor de benevolência, comporta o acolhimento da pessoa amada, o considerar o seu bem como próprio, e, portanto, implica educar no relacionamento com os outros. É preciso ensinar à criança, ao adolescente e ao jovem como entrar em relacionamento são com Deus, com os seus pais, com os seus irmãos e irmãs, com os seus companheiros do mesmo sexo ou de sexo diferente, com os adultos.

54. Nem se pode sequer esquecer que a educação para o amor é uma realidade global: não se pode progredir no estabelecimento de um  relacionamento com uma pessoa sem o fazer, ao mesmo tempo, no relacionamento com qualquer outra pessoa. Como já mencionamos, a educação para a castidade, enquanto educação para o amor, é ao mesmo tempo educação do espírito, da sensibilidade e dos sentimentos. A atitude para com as pessoas depende não pouco da maneira como se governam os sentimentos espontâneos para com elas, fazendo crescer alguns deles, controlando outros. A castidade, enquanto virtude, nunca se reduz a um simples raciocínio sobre a capacidade de efetuar atos conformes à norma de comportamento exterior, mas exige a activação e o desenvolvimento dos dinamismos da natureza e da graça, que constituem o elemento principal e imanente da nossa descoberta da lei de Deus como garantia de crescimento e de liberdade.

55. É necessário, por isso, sublinhar que a educação para a castidade é inseparável do empenho em cultivar todas as outras virtudes e, de modo particular, o amor cristão que se caracteriza pelo respeito, o altruísmo e o serviço e que, em definitivo, se chama caridade. A sexualidade é um bem de grande importância, que é necessário proteger seguindo a ordem da razão iluminada pela fé: « Quanto maior é um bem, tanto mais nele se deve observar a ordem da razão ». Daqui se conclui que, para educar para a castidade, « é necessário o domínio de si, o qual pressupõe virtudes como o pudor, a temperança, o respeito de si e dos outros, a abertura ao próximo ».

São também importantes aquelas virtudes que a tradição cristã chamou as irmãs menores da castidade (modéstia, atitude de sacrifício dos próprios caprichos), alimentadas pela fé e pela vida de oração.

O pudor e a modéstia

56. A prática do pudor e da modéstia, no falar, no agir e no vestir, é muito importante para criar um clima apropriado à conservação da castidade, mas isto deve ser bem motivado pelo respeito do próprio corpo e da dignidade dos outros. Como já se mencionou, os pais devem vigiar a fim de que certas modas e certas atitudes imorais não violem a integridade da casa, particularmente através do mau uso da mídia. O Santo Padre sublinhou a necessidade de « que seja posta em prática uma colaboração mais estreita entre os pais, aos quais compete o primeiro lugar na tarefa educativa, os responsáveis dos meios de comunicação a vários níveis e as autoridades públicas, a fim de que as famílias não sejam abandonadas a si mesmas num setor importante da sua missão educativa... Na realidade, devem-se reconhecer propostas, conteúdos e programas de divertimento sadio, de informação e de educação complementares aos da família e da escola. Isto não impede, infelizmente, que sobretudo em algumas Nações sejam difundidos espetáculos e escritos nos quais proliferam todos os tipos de violência e seja praticada uma espécie de bombardeamento com mensagens que afetam os princípios morais e tornam impossível uma atmosfera séria, que permita transmitir valores dignos da pessoa humana ».

Em particular, a respeito do uso da televisão o Santo Padre especificou: « O modo de viver — principalmente nas Nações mais industrializadas — leva bastantes vezes as famílias a descarregarem-se das suas responsabilidades educativas, encontrando na facilidade de evasão (representada, em casa, especialmente pela televisão e por certas publicações) o meio de terem ocupado o tempo e as atividades das crianças e jovens. Ninguém pode negar que há nisto também certa justificação, dado que demasiadas vezes faltam estruturas e infraestruturas suficientes para utilizar e valorizar o tempo livre dos jovens e orientar-lhes as energias ». Outra circunstância facilitadora é representada pelo fato de ambos os pais estarem ocupados no trabalho, mesmo extradoméstico. « A sofrer-lhe as consequências são aqueles mesmos que têm mais necessidade de ser ajudados no desenvolvimento da sua "liberdade responsável". Daqui surge o dever — especialmente para os crentes, para as mulheres e os homens que amam a liberdade — de proteger especialmente as crianças e adolescentes das "agressões" que sofrem da mídia. Ninguém falte a este dever alegando motivos, demasiado cômodos, de desempenho! »; « os pais, enquanto usuários, devem constituir-se parte ativa no seu uso moderado, crítico, vigilante e prudente ».

A justa intimidade

57. Em estreita conexão com o pudor e a modéstia, que são uma defesa espontânea da pessoa que recusa ser vista e tratada como objeto de prazer, em vez de ser respeitada e amada por si mesma, deve-se considerar o respeito da intimidade: se uma criança ou um jovem vê que se respeita a sua justa intimidade, saberá então que se espera que ele também mostre a mesma atitude diante dos outros. Desta maneira, aprende a cultivar o sentido de responsabilidade diante de Deus, desenvolvendo a sua vida interior e o gosto pela liberdade pessoal, que o tornam capaz de amar melhor a Deus e aos outros.

O autodomínio

58. Tudo isto exige geralmente o autodomínio, condição necessária para se ser capaz do dom de si. As crianças e os jovens devem ser encorajados a estimar e praticar o auto-controlo e a renúncia, a viver de modo ordenado, a fazer sacrifícios pessoais, em espírito de amor a Deus, de auto-respeito e de generosidade para com os outros, sem sufocar os sentimentos e as tendências, mas canalizando-os numa vida virtuosa.

Os pais como modelos para os seus filhos

59. O bom exemplo e a « liderança » dos pais é essencial para fortalecer a formação dos jovens para a castidade. A mãe que estima a vocação materna e o seu lugar na casa ajuda grandemente a desenvolver, nas suas filhas, as qualidades da feminilidade e da maternidade e põe diante dos filhos varões um exemplo claro, forte e nobre de mulher. O pai que imprime no seu comportamento um estilo de dignidade viril, sem machismos, será um modelo atraente para os filhos e inspirará respeito, admiração e segurança nas filhas.

60. Isto vale também para educar ao espírito de sacrifício nas famílias sujeitas, hoje mais que nunca, às pressões do materialismo e do consumismo. Só assim, os filhos crescerão « com uma  liberdade diante dos bens materiais, adotando um estilo de vida simples e austero, bem convencidos de que "o homem vale mais pelo que é do que pelo que tem". Numa sociedade agitada e desagregada por tensões e conflitos, pelo choque violento entre os diversos individualismos e egoísmos, os filhos devem enriquecer-se não só do sentido da verdadeira justiça, que por si só conduz ao respeito pela dignidade pessoal de cada um, mas também e, ainda mais, do sentido do verdadeiro amor, como solicitude sincera e serviço desinteressado para com os outros, em particular os mais pobres e necessitados »;  « a educação coloca-se plenamente no horizonte da "civilização do amor"; desta depende e, em grande medida, contribui para a sua construção ».

Um santuário da vida e da fé

61. Ninguém pode ignorar que o primeiro exemplo e a maior ajuda que os pais podem dar em relação aos próprios filhos é a sua generosidade em acolher a vida, sem esquecer que assim os ajudam a ter um estilo de vida mais simples e, além disso, « que é menor mal negar aos próprios filhos certas comodidades e vantagens materiais do que privá-los da presença de irmãos e irmãs que os poderiam ajudar a desenvolver a sua humanidade e a realizar a beleza da vida em todas as suas fases e em toda a sua variedade ».

62. Finalmente, recordemos que, para chegar a todas estas metas, a família, antes de mais, deve ser casa de fé e de oração na qual se está atento à presença de Deus Pai, se acolhe a Palavra de Jesus, se sente o vínculo de amor, dom do Espírito, se ama e invoca a Mãe puríssima de Deus. Tal vida de fé e de « oração tem como conteúdo original a própria vida de família, que em todas as suas diversas fases é interpretada como vocação de Deus e atuada como resposta filial ao seu apelo: alegrias e dores, esperanças e tristezas, nascimento e festas de anos, aniversários de núpcias dos pais, partidas, ausências e regressos, escolhas importantes e decisivas, a morte de pessoas queridas, etc., assinalam a intervenção do amor de Deus, na história da família assim como devem marcar o momento favorável para a ação de graças, para a impetração, para o abandono confiante da família ao Pai comum que está nos céus ».

63. Nesta atmosfera de oração e de consciência da presença e da paternidade de Deus, as verdades da fé e da moral serão ensinadas, compreendidas e penetradas com reverência, e a palavra de Deus será lida e vivida com amor. Assim a verdade de Cristo edificará uma comunidade familiar fundamentada no exemplo e na orientação dos pais que descem « em profundidade ao coração dos filhos, deixando marcas que os sucessivos acontecimentos da vida não conseguirão apagar ».

Fonte: CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA - Vaticano (1995)


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Sexualidade Humana: Verdade e Significado - Introdução
Chamados ao verdadeiro amor (parte I)
Amor verdadeiro e castidade (parte II)
Horizonte vocacional (parte III)
Pai e Mãe como educadores (parte (IV)
Itinerários formativos no seio da família (V)
Os Passos no conhecimento (VI)
Orientações práticas (VII)
Conclusão

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In Christo Rege!

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