1. "Mas quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra?" (Lc 18, 8).
A pergunta, com a qual Jesus conclui a parábola sobre a necessidade de rezar "sempre, sem desfalecer" (Lc 18, 1), desperta a nossa alma. É uma pergunta que não é seguida de uma resposta: de facto, ela pretende interpelar todas as pessoas, comunidades eclesiais e gerações humanas. Somos nós que devemos responder. Cristo deseja recordar-nos que a existência do homem está orientada para o encontro com Deus; mas, precisamente nesta perspectiva, ele pergunta se quando voltar encontrará almas preparadas para o receber, a fim de entrarem com Ele na casa do Pai. Por isto, diz a todos: "Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora" (Mt 25, 13).
Queridos Irmãos e Irmãs! Caríssimas famílias! Encontramo-nos aqui hoje para a beatificação de dois esposos: Luís e Maria Beltrame Quattrocchi. Com este solene acto eclesial desejamos realçar um exemplo de resposta afirmativa à pergunta de Cristo. A resposta é dada por dois esposos, que viveram em Roma na primeira metade do século vinte, um século no qual a fé em Cristo foi posta a dura prova. Também naqueles anos difíceis o casal Luís e Maria mantiveram acesa a chama da fé lumen Christi e transmitiram-na aos seus quatro filhos, dos quais três estão aqui hoje nesta Basílica. Caríssimos, a vossa mãe escrevia o seguinte acerca de vós:
"Educámo-los na fé, para que conhecessem Deus e o amassem" (L'ordito e la trama, pág. 9). Mas os vossos pais transmitiram aquela chama viva também aos amigos, aos conhecidos, aos colegas... E agora, do Céu, oferecem-na a toda a Igreja.
Juntamente com os parentes e amigos dos novos Beatos, saúdo as Autoridades religiosas que participam nesta celebração, começando pelo Cardeal Camillo Ruini e pelos outros Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos presentes. Saúdo também as Autoridades civis, entre as quais sobressaem o Presidente da República italiana e a Rainha da Bélgica.
2. Não podia haver uma ocasião mais feliz e significativa do que a de hoje para celebrar os vinte anos da Exortação Apostólica "Familiaris consortio". Este documento, que ainda hoje é de grande actualidade, além de ilustrar o valor do matrimónio e as tarefas da família, convida a um particular empenho no caminho de santidade ao qual os esposos são chamados devido à graça sacramental, que "não se esgota na celebração do matrimónio, mas acompanha os cônjuges ao longo de toda a existência" (Familiaris consortio, 56). A beleza deste caminho resplandece no testemunho dos beatos Luís e Maria, expressão exemplar do povo italiano, que muito deve ao matrimónio e à família sobre ele fundada.
Estes cônjuges viveram, à luz do Evangelho e com grande intensidade humana, o amor conjugal e o serviço à vida. Assumiram com responsabilidade total a tarefa de colaborar com Deus na procriação, dedicando-se generosamente aos filhos a fim de os educar, guiar e orientar na descoberta do seu desígnio de amor. Deste terreno espiritual tão fértil surgiram vocações para o sacerdócio e para a vida consagrada, que demonstram como o matrimónio e a virgindade, a partir do comum enraizamento no amor esponsal do Senhor, estão intimamente relacionados e se iluminam reciprocamente.
Inspirando-se na palavra de Deus e no testemunho dos Santos, os beatos Esposos viveram uma vida ordinária de maneira extraordinária. Entre as alegrias e preocupações de uma família normal, souberam realizar uma existência extraordinariamente rica de espiritualidade. No centro, a Eucaristia quotidiana, à qual se acrescentava a devoção filial à Virgem Maria, invocada no Rosário recitado todas as noites, e a referência aos sábios conselheiros espirituais. Desta forma, souberam acompanhar os filhos no discernimento vocacional, treinando-os a avaliar tudo começando "do tecto para cima", como gostavam de dizer muitas vezes com simpatia.
3. A riqueza de fé e de amor dos cônjuges Luís e Maria Beltrame Quattrocchi é uma demonstração viva de quanto o Concílio Vaticano II afirmou sobre a vocação de todos os fiéis à santidade, especificando que os cônjuges procuram este objectivo "propriam viam sequentes", seguindo o próprio caminho" (Lumen gentium, 41). Esta clara indicação do Concílio tem hoje a sua realização prática com a primeira beatificação de um casal: para eles a fidelidade ao Evangelho e a heroicidade das virtudes foram relevadas a partir da sua existência como cônjuges e como pais.
Na sua vida, como na de tantos outros casais que todos os dias desempenham zelosamente as suas tarefas de pais, podemos contemplar a revelação sacramental do amor pela Igreja. De facto, os esposos "cumprindo a sua missão conjugal e familiar, com a força deste sacramento, penetrados do espírito de Cristo, que impregna toda a sua vida de fé, de esperança e de caridade, chegam gradualmente à sua perfeição pessoal e à sua mútua santificação e, assim, em comum, contribuem para a glória de Deus" (Gaudium et spes, 48).
Queridas famílias, temos hoje uma particular confirmação de que o caminho de santidade percorrido em conjunto, como casal, é possível, é belo, é extraordinariamente fecundo e fundamental para o bem da família, da Igreja e da sociedade.
Isto convida-nos a invocar o Senhor, para que sejam cada vez mais numerosos os casais capazes de fazer transparecer, na santidade da sua vida, o "grande mistério" do amor conjugal, que tem origem na criação e se realiza na união de Cristo com a Igreja (cf. Ef 5, 22-33).
4. Como qualquer caminho de santificação, também o vosso, queridos esposos, não é fácil. Enfrentais todos os dias dificuldades e provas para serdes fiéis à vossa vocação, cultivar a harmonia conjugal e familiar, cumprir a missão de pais e participar na vida social.
Sabei procurar na palavra de Deus a resposta às numerosas interrogações que vos são apresentadas pela vida quotidiana. São Paulo, na segunda Leitura, recordou-nos que "toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para convencer, para corrigir e instruir na justiça" (2 Tm 3, 16). Amparados pela força desta palavra, podereis insistir juntos com os filhos "oportuna e inoportunamente" (2 Tm 4, 2).
A vida conjugal e familiar pode conhecer também momentos de desorientação. Sabemos quantas famílias são tentadas nestes casos pelo desencorajamento. Penso, sobretudo, em todos os que vivem o drama da separação; penso nos que devem enfrentar a doença e em quem sofre a desaparecimento prematuro do cônjuge ou de um filho. Também nestas situações se pode dar um grande testemunho de fidelidade no amor, tornado ainda mais significativo pela purificação através da passagem pelo crisol do sofrimento.
5. Confio todas as famílias provadas à mão providencial de Deus e à amorosa solicitude de Maria, sublime modelo de esposa e mãe, que experimentou bem o sofrimento e a canseira no seguimento de Cristo até aos pés da cruz. Caríssimos esposos, nunca vos deixeis vencer pelo desalento: a graça do Sacramento ampara-vos e ajuda-vos a elevar continuamente os braços para o céu como Moisés, do que nos falou a primeira Leitura (cf. Êx 17, 11-12). A Igreja acompanha-vos e ajuda-vos com a sua oração, sobretudo nos momentos difíceis.
Ao mesmo tempo, peço a todas as famílias que, por sua vez, amparem os braços da Igreja, para que nunca deixe de realizar a sua missão de interceder, confortar, orientar e encorajar. Agradeço-vos, queridas famílias, o apoio que me dais também a mim no meu serviço à Igreja e à humanidade. Rezo ao Senhor todos os dias para que ajude as numerosas famílias feridas pela miséria e pela injustiça e faça crescer a civilização do amor.
6. Caríssimos, a Igreja confia em vós, para enfrentar os desafios que a esperam neste novo milénio. Entre os caminhos da sua missão, "a família é a primeira e a mais importante" (Carta às Famílias, 2); a Igreja conta com ela, chamando-a a ser "um verdadeiro sujeito de evangelização e de apostolado" (Ibid., 16).
Tenho a certeza de que estareis à altura da tarefa que vos espera, em todos os lugares e circunstâncias. Encorajo-vos, queridos cônjuges, a assumir plenamente o vosso papel e as vossas responsabilidades. Renovai em vós mesmos o impulso missionário, fazendo das vossas casas lugares privilegiados para o anúncio e o acolhimento do Evangelho, num clima de oração e praticando concretamente a solidariedade cristã.
O espírito Santo, que encheu o coração de Maria para que, na plenitude dos tempos, concebesse o Verbo da vida e o recebesse juntamente com o seu esposo José, vos ampare e vos fortaleça. Ele encha os vossos corações de alegria e de paz, para que saibais louvar todos os dias o Pai celeste, do qual provêm todas as graças e bênçãos.
Amen
Fonte: Vaticano
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