Antes de construir uma casa
é preciso planejá-la. Será grande ou pequena? Terá um ou dois pisos? Quantos
quartos e quantos banheiros? A resposta a essas perguntas depende da vontade do
construtor e da utilidade que ele pretende dar à edificação.
Uma família, porém, é
diferente de uma casa feita de tijolos. O tamanho dela não depende simplesmente
da vontade do casal. Ele não pode “planejar” a família como faria com um
edifício. O termo “planejamento familiar” dá a entender que compete ao casal – e
somente a ele – determinar o número e o espaçamento de seus filhos. Ora, essa
autonomia absoluta não existe. Só Deus é o Senhor da Vida. O que o casal pode e
deve fazer é ficar atento aos sinais de Deus para descobrir qual é a sua
vontade, e pô-la em prática. Ouçamos o Catecismo:
“A Sagrada Escritura e a
prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas um sinal da bênção
divina e da generosidade dos pais”[1].
Ora, se a família numerosa é
uma bênção, ninguém pode casar-se pensando em rejeitar essa bênção. A esse
respeito comenta a ex-feminista Mary Pride em seu admirável livro “De volta ao
lar”:
“Se os filhos são uma
bênção, então por que não queremos todos os que Deus quer nos
dar? Será
que você consegue pensar em qualquer outra bênção que faz os cristãos
lamentarem, se queixarem e fazerem o possível para não aceitar? Não pareceria
ridículo ouvir cristãos dizendo: ‘Estou farto de todo este dinheiro que Tu me
deste, Senhor. Por favor, não me dês mais nada!’ ou ‘Já tenho suficientes unções
do poder do Espírito Santo sobre mim para durar pelo resto da vida. Para mim,
chega, obrigado!’”[2].
O Papa João Paulo II, quando
ainda era cardeal de Cracóvia, escreveu: “A família é na realidade uma
instituição educadora, portanto é necessário que ela conte, se for possível,
vários filhos, porque para que o novo homem forme sua personalidade é muito
importante que não seja único, mas que esteja inserido numa sociedade natural.
Às vezes fala-se que é ‘mais fácil educar muitos filhos do que um filho único’.
Também diz-se que ‘dois não são ainda uma sociedade; eles são dois filhos
únicos’”[3].
Há alguns anos uma jovem
enviou-me uma mensagem por correio eletrônico contando seu “problema”: estava
noiva e, segundo sua previsão, estaria fértil no dia de seu casamento. Que
fazer? Respondi-lhe que fazia votos de que ela engravidasse. Expliquei-lhe que
não faz sentido alguém se casar já pensando em não ter filhos. Se ela me
dissesse que desejava ter filhos sim, mas só depois de três anos, eu lhe
responderia: “então você se case daqui a três anos”.
Sem se dar conta, aquela
moça, que aliás estava com boa-fé, havia-se tornado vítima da mentalidade
segundo a qual os filhos devem ser cuidadosamente “planejados”. Gerá-los logo no
início do matrimônio seria um ato de “irresponsabilidade”.
A doutrina da Igreja, porém,
é outra. Dentro do matrimônio, a regra é gerar filhos. Não gerá-los é a exceção.
Vejamos o que nos ensina o Papa Paulo VI sobre paternidade responsável em sua história
encíclica “Humanae Vitae”:
“Em relação às condições
físicas, econômicas, psicológicas e sociais, a paternidade responsável exerce-se
tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família
numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei
moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo
nascimento”[4].
Note-se como a Igreja elogia
a família numerosa e como, ao mesmo tempo, só admite evitar um novo nascimento
“por motivos graves” e com respeito pela lei moral. O Catecismo adverte que cabe
aos esposos “verificar que se seu desejo [de espaçar os nascimentos] não provém
do egoísmo, mas está de acordo com a justa generosidade de uma paternidade
responsável”[5]. O único meio admitido pela Igreja
para espaçar os nascimentos é a continência periódica, ou seja, a
abstinência de relações sexuais nos dias férteis:
“A continência periódica, os
métodos de regulação da procriação baseados na auto-observação e o recurso aos
períodos infecundos são conformes aos critérios objetivos da moralidade”[6]. Porém, para evitar que o casal decida
valer-se da continência periódica por motivos egoísticos, a Igreja dá aos
confessores a seguinte orientação: “será conveniente [para o confessor]
averiguar a solidez dos motivos que se têm para a limitação da paternidade ou
maternidade e a liceidade dos métodos escolhidos para distanciar e evitar uma
nova concepção”[7].
Convém notar como os
documentos oficiais do Santo Padre e da Cúria Romana sobre a regulação da
procriação nunca empregam o termo “planejamento
familiar”. Pode-se em vão procurar essa expressão na encíclica Humanae Vitae (Paulo VI, 1968), nos
documentos do Concílio Vaticano II (1962-65), na exortação apostólica Familiaris Consortio (João Paulo II,
1981), na encíclica Evangelium Vitae
(João Paulo II, 1995) ou no Catecismo da Igreja Católica (1992). A expressão
tampouco aparece no Vade-mécum para os
confessores sobre alguns temas de moral relacionados com a vida conjugal
(Pontifício Conselho para a Família, 1997), que trata especificamente do tema da
anticoncepção. Ao contrário, a Igreja usa “paternidade responsável” (que inclui
também a abertura para uma família numerosa), “continência periódica” e “métodos
de regulação da procriação”.
Lamentavelmente há
católicos, incluindo sacerdotes, bispos e até Conferências Episcopais que dizem
que a Igreja aceita o “planejamento familiar natural” ou os métodos naturais de
“planejamento familiar”. Essa dissonância com o Magistério da Santa Sé deveria
absolutamente ser evitada, porque não é uma mera questão de palavras. Por trás
das palavras estão conceitos que podem distorcer a doutrina cristã sobre o
matrimônio e a procriação.
Aliás, a maior rede privada
de aborto, esterilização e contracepção chama-se Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF). Jorge
Scala adverte que a expressão “planejamento familiar” (family planning) foi empregada pela IPPF
após a Segunda Guerra Mundial, depois de vencido e desmoralizado o nazismo, para
substituir “controle de natalidade” (birth control). O objetivo foi, única e
exclusivamente, mascarar o caráter eugenésico e coativo de suas práticas
antinatalistas[8]. Um termo cunhado pelos fautores da
cultura da morte deveria ser evitado pelos defensores da vida. De fato, ele não
é, de modo algum, inofensivo.
Quando estava reunida a
Assembléia Nacional Constituinte, que iria elaborar a atual Constituição de
1988, o Grupo Parlamentar de Estudos em População de Desenvolvimento (GPEPD),
braço legislativo da IPPF no Brasil, recebeu a generosa quantia de US$ 112.755
para inserir o “planejamento familiar” no texto de nossa Carta Magna. A entidade
doadora foi “The Pathfinder Fund”. A informação é oficial, contida em um dos
relatórios periódicos publicados pelo Fundo das Nações Unidas para a População
(FNUAP):
“Planejamento familiar e Assembléia Nacional
Constituinte. Monitorar e, onde necessário, dar assistência no desenvolvimento
do tema planejamento familiar no texto da Constituição brasileira. Membros do
Grupo Brasileiro de Parlamentares sobre População e Desenvolvimento receberão
instruções técnicas sobre temas que contribuirão para debates sobre planejamento
familiar – Valor do projeto US$ 112.755”
Anápolis, 13 de
novembro de 2011.
O resultado foi a inclusão
do parágrafo 7º do art. 226 na Constituição Federal:
Art. 226, § 7º, CF - Fundado
nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
O texto acima é sedutor. O
“planejamento familiar” é livre e não imposto. Afasta-se assim a má aparência do
termo “controle de natalidade”. Além disso, ele se funda na “dignidade da pessoa
humana”, o que faz supor que jamais admitirá o aborto nem a mutilação dos órgãos
reprodutores. Por fim, ele também se funda na “paternidade responsável”, termo
este tão caro ao Magistério da Igreja.
Da forma como foi redigido,
não se poderia esperar nada de mal. Puro engano. Mais de cem mil dólares não
teriam sido investidos à toa. Bem depressa um deputado do Partido dos
Trabalhadores (PT), Eduardo Jorge (PT/SP) apresentou um Projeto de Lei (PL
209/91) para “regulamentar” esse dispositivo constitucional. E, como não podia
deixar de ser, tal regulamentação incluía a legalização da esterilização, como
meio legítimo de “planejamento familiar”. Aprovado, o projeto transformou-se na
lei 9263/96, que “regula o § 7º do art.
226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências”. A partir da vigência desta lei, a
esterilização, que constituía crime de lesão corporal gravíssima, com pena de
reclusão de dois a oito anos (art. 129, § 2º, III, CP), passou a ser um direito.
Hoje o governo brasileiro se compraz em esterilizar um número cada vez maior de
homens e mulheres. Tudo isso graças ao “planejamento familiar” inserido em nossa
Constituição...
Pe.
Luiz Carlos Lodi da Cruz.
Presidente do Pró-Vida de
Anápolis
Fonte: Providaanapolis
[1] Catecismo da Igreja Católica, n.
2373.
[2] PRIDE, Mary. De volta ao lar: do feminismo à
realidade. Ourinhos: Edições Cristãs, 2006, p. 70.
[3] WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade: estudo ético.
São Paulo: Loyola, 1982. p. 216.
[4] PAULO VI, Humanae Vitae, 1968, n. 10.
[5] Catecismo da Igreja Católica, n.
2368.
[6] Catecismo da Igreja Católica, n.
2370.
[7] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, Vade-mécum para os confessores sobre alguns
temas de moral relacionados com a vida conjugal, 1997, n.º 12.
[8] SCALA, Jorge. IPPF: a multinacional de morte. Anápolis: Múltipla Gráfica, 2004, p.
20-21.
[9]
Inventory of Population
Projects in Developing Countries Around the World.
FNUAP, 1989/1991, fl. 76
Olá, gostei do texto. Quem é o autor? Muito grata! Salve Maria.
ResponderExcluirOi Luciana!
ExcluirQue bom te ver por aqui e parabéns meio atrasado:)
O texto não foi completo mas já arrumei. É do Pe. Lodi.
Obrigada e fica com Deus!