A veneração
do Cristo crucificado
127. O caminho quaresmal termina com o início
do Tríduo Pascal, isto é, com a celebração da Missa In Cena Domini. No
Tríduo pascal a Sexta-feira Santa, dedicada a celebrar a Paixão do Senhor, é o
dia por excelência da "Adoração da santa Cruz".
Contudo, a piedade popular gosta de antecipar a
veneração cultual da Cruz. De fato, durante todo o período da Quaresma, na
sexta-feira que, por antiquíssima tradição cristã, é o dia em que se comemora a
Paixão de Cristo, os fiéis orientam espontaneamente a sua piedade para o
mistério da Cruz.
Contemplando o Salvador crucificado, eles
entendem mais facilmente o significado da dor imensa e injusta que Jesus, o
Santo e o Inocente, sofreu pela salvação do homem, e compreendem também o valor
do seu amor solidário e a eficácia do seu sacrifício redentor.
128. As expressões de devoção a Cristo
crucificado, muitas e variadas, adquirem especial relevo nas igrejas dedicadas
ao mistério da Cruz ou nas quais são veneradas relíquias consideradas autênticas
do lignum Crucis. De fato, a "descoberta da Cruz", que segundo a tradição
se deu na primeira metade do século IV, com a subsequente difusão no mundo todo
de veneradíssimas partículas, determinou um notável incremento do culto à
Cruz.
Nas manifestações de devoção a Cristo
crucificado, os elementos comuns da piedade popular como cânticos e orações,
gestos como a exposição, o beijo, a procissão e a bênção com a cruz,
entrelaçam-se de modo variado, dando lugar a práticas de piedade, às vezes
preciosas por seu valor conteudístico e formal.
Entretanto, a piedade para com a Cruz tem
muitas vezes necessidade de ser iluminada. Isto é, deve-se mostrar aos fiéis a
essencial referência da Cruz ao evento da Ressurreição: a Cruz e o túmulo vazio,
a Morte e a Ressurreição de Cristo são inseparáveis na narrativa evangélica e no
projeto salvífico de Deus. Na fé cristã, a Cruz é expressão do triunfo sobre o
poder das trevas e, por isso, é apresentada enriquecida com pedras preciosas e
se tornou sinal de bênção seja quando é traçada sobre si próprio ou sobre outras
pessoas e objetos.
129. O texto evangélico, singularmente
detalhado na narrativa dos vários episódios da Paixão, e a tendência à
especificação e à diferenciação própria da piedade popular fizeram com que os
fiéis voltassem sua atenção também para aspectos particulares da Paixão de
Cristo e, em seguida, fizessem deles objeto de devoções particulares: ao Ecce
Homo, Cristo zombado, "com a coroa de espinhos e o manto de púrpura" (Jo 19,
5), que Pilatos mostra ao povo; às sagradas chagas do Senhor, sobretudo a ferida
do lado e o sangue vivificador que daí jorrou (cf. Jo 19, 34); aos instrumentos
da Paixão, tais como a coluna da flagelação, a escada do pretório, a coroa de
espinhos, os cravos, a lança que o traspassou; ao santo sudário ou lençol da
deposição.
Essas expressões de piedade, promovidas em
algunas casos por pessoas eminentes em santidade, são legítimas. Entretanto,
para evitar um fracionamento excessivo na contemplação do mistério da Cruz, é
conveniente que se acentue o conjunto todo da Paixão, segundo a tradição bíblica
e patrística.
A leitura da Paixão do Senhor
130. A Igreja exorta os fiéis à leitura
frequente, individual e comunitária, da Palavra de Deus. Ora, não há dúvida de
que entre as páginas bíblicas a narrativa da Paixão do Senhor tem um especial
valor pastoral e, por isso, por exemplo, o Ritual da unção dos enfermos e sua
assistência pastoral sugere que se leia, na hora da agonia do cristão, a
narrativa da Paixão do Senhor, por inteiro ou algumas perícopes dela.
No
tempo da Quaresma, o amor para com Cristo crucificado deverá levar as
comunidades cristãs a preferir, sobretudo na quarta e na sexta-feira, a leitura
da Paixão do Senhor.
Essa leitura, de grande significado doutrinal, chama
a atenção dos fiéis seja por causa do conteúdo, seja por causa da forma
narrativa, e provoca neles sentimentos de genuína piedade: arrependimento das
culpas cometidas, pois os fiéis percebem que a Morte de Cristo aconteceu para a
remissão dos pecados de todo o gênero humano e, portanto, também dos próprios;
compaixão e solidariedade para com o Inocente injustamente perseguido; gratidão
pelo amor infinito que Jesus demonstrou na sua Paixão para com todos os homens;
empenho em seguir os exemplos de mansidão, paciência, misericórdia, perdão das
ofensas, abandono confiante nas mãos do Pai, que Jesus deu com grande abundância
e eficácia na sua Paixão.
Fora da celebração litúrgica, a leitura da
Paixão poderá ser oportunamente "encenada", confiando aos vários leitores os
textos correspondentes aos diferentes personagens; como também poderá ser
intercalada por cânticos e momentos de silêncio meditativo.